“Procurando independência como artista me tornei contador de histórias”, revela Carlos Godoy da Cia Mapinguary - Viagem Literária

“Procurando independência como artista me tornei contador de histórias”, revela Carlos Godoy da Cia Mapinguary

Cia Mapinguary na cidade de Charqueada (fotos: Arquivo pessoal)

Criada em 2000 por Carlos Godoy, a Cia Mapinguary tem como proposta a contação de histórias através da narrativa oral cênica. Inspirado por lendas brasileiras, como a do mítico Mapinguary, e pela vivência com poetas, artesãos e artistas pelo Brasil afora, ele criou um universo único de contação de histórias. Ao longo dos anos, a companhia evoluiu, incorporando elementos como o teatro de bonecos e a literatura de cordel, levando magia e encanto a públicos de todas as idades em diversos espaços culturais, desde bibliotecas até festivais internacionais. 


Em turnê pelas cidades de Charqueada, Piracicaba, Limeira e Nova Odessa no módulo "Contação de Histórias - Literatura de Cordel", Godoy revela nesta entrevista as motivações por trás da criação da Cia Mapinguary, a influência do folclore em seu trabalho e a importância de levar a literatura de cordel para os espaços públicos.  Confira!


O que motivou a criação da Cia Mapinguary em 2000, e como tem sido a evolução do trabalho da companhia desde então?


Comecei minha carreira em 1987, estudando teatro e atuando em peças amadoras. Em 2000, após várias produções teatrais e estudos sobre corpo, voz e interpretação, ao ler Câmara Cascudo, me apaixonei pelos contos populares e pela contação de histórias. Buscando independência como artista, tornei-me contador de histórias, unindo minhas experiências como ator, no teatro de bonecos, e nas viagens pelo Brasil, onde tive contato com poetas repentistas, artistas e artesãos. Foi assim que criei a Cia Mapinguary, inspirada por uma lenda que ouvi de uma moça de Belém do Pará. Criei o boneco para brincar com as crianças, e ele acabou se tornando o nome da companhia. Convidei músicos para trabalhar comigo e comecei a pesquisar o universo da narrativa, descobrindo elementos e recursos como teatro de bonecos, folclore infantil, kamishibai (teatro de papel japonês), teatro de objetos, música e literatura infantil. Assim, criei o universo brincante do contador de histórias, que conta, canta, dança e brinca. Já são 24 anos de companhia, que cresceu e passou a participar de festivais, congressos de educação, e a contar histórias em redes como Sesc, Sesi, livrarias, escolas e bibliotecas. Já nos apresentamos em diversos estados do Brasil e participamos de encontros de contadores de histórias na Colômbia, em Santa Marta e Hiuacha. Também pesquisamos histórias indígenas e o folclore brasileiro em Manaus e Itacoatiara, na Amazônia. Hoje, a Cia é composta por um contador de histórias, três músicos e convidados. Temos vários espetáculos de contação de histórias, com contos tradicionais, contos africanos, interativos, do folclore, contos de fadas, teatro de bonecos, musicais e teatro. Além disso, atuamos na arte-educação, oferecendo oficinas para professores. Nossa última criação é um espetáculo de contação de histórias para a primeira infância (bebês), chamado "Bebê Lendo - Histórias, Afetos, Livros e Música".


Como o folclore infantil, o teatro de bonecos e os contos populares influenciam suas apresentações, e quais são suas principais inspirações ao criar novas histórias?


Antes de criar a Cia Mapinguary, viajei pelo Vale do Jequitinhonha e pelo Nordeste do Brasil, realizando apresentações de teatro de bonecos e ministrando oficinas. O folclore e a cultura popular me encantavam. Quando descobri os contos populares pelos livros de Câmara Cascudo, Lindolfo Gomes e Silvio Romero, tudo fez sentido para mim. Foi uma epifania, que clareou um universo criativo, com jogo de corpo, bonecos, cantigas, parlendas e interação com a plateia. Cada história exigia uma forma diferente de contação: algumas apenas na oralidade e movimento corporal, outras com recursos e adereços. Descobri o encantamento que os recursos visuais causavam na primeira infância, unidos à história e à oralidade. Assim nasceu o universo brincante do contador de histórias, onde o narrador canta, brinca, dança, manipula bonecos, interage com o público e faz a plateia participar, criando uma atmosfera oral cênica que valoriza a oralidade. Minhas inspirações vêm da realidade, das histórias de vida, da visão de mundo, da diversidade cultural, da relatividade cultural, da literatura infantil, dos livros de imagens e do teatro de animação.


Como a Cia Mapinguary adapta suas apresentações para diferentes espaços, como bibliotecas públicas, escolas, centros culturais e o Viagem Literária?


A Cia Mapinguary conta histórias em diversos espaços, abertos ou fechados, com ou sem microfone, dependendo muito da quantidade de público e da proposta. Em bibliotecas, a apresentação é mais acústica, e às vezes nem é necessário som. Em escolas, como há sempre muitas crianças, utilizamos microfones e caixas de som. Compomos espetáculos de contação de histórias fechados e ensaiados, mas é essencial ter "cartas na manga", perceber o público e, se necessário, mudar uma história, improvisar uma brincadeira ou fazer a leitura do ambiente e do público. Com a experiência adquirida em anos de contação de histórias em diversos espaços e para plateias diferenciadas, aprendemos a lidar com as idades e a compor apresentações para cada faixa etária e público misto. Dessa forma, desenvolvemos uma prática adaptável para espaços pequenos, grandes, abertos ou fechados. No Viagem Literária, é sempre uma delícia contar em bibliotecas, pois sempre há o apoio do livro e do incentivo à leitura. Os espaços são aconchegantes, e as pessoas já aguardam o evento com logística e produção temática.


Qual a importância de levar a literatura de cordel para os espaços públicos?


A literatura de cordel é uma forma rica de literatura, que surge do povo, da sabedoria popular, dos becos e das ruas. Antes de existirem os meios de comunicação, a tecnologia e a internet, a literatura de cordel, através dos folhetos, era o meio que levava informação e notícias para as pessoas. É de extrema importância que o brasileiro conheça a cultura de seu povo. A literatura de cordel une literatura, ritmo, música e rima, e possui sua complexidade na composição dos versos, como sextilhas, quadras e setilhas.


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Mari Bigio: a voz feminina do cordel aterrissa em terras paulistas diretamente do Nordeste

Mari Bigio: a voz feminina do cordel aterrissa em terras paulistas diretamente do Nordeste

A jornada de Mari Bigio no Viagem Literária 2024 foi longa. De 20 a 30 de agosto, a pernambucana de Recife que se tornou escritora, cordelista, contadora de histórias, compositora, cantora e radialista, percorreu nada menos do que oito municípios paulistas – de Pinhalzinho a Itatiba e Caieiras, passando por São Paulo, na Biblioteca Parque Villa-Lobos, seguindo para Pardinho, Itapetininga, Tatuí e Itu -, levando a literatura de cordel para um público sempre (e prá lá) de receptivo. “Me sinto honrada, como nordestina, em poder participar do programa deste ano, que coloca a voz do cordel em evidência, um patrimônio cultural nacional”, destacou Mari. Para Mari, a arte precisa viajar para todos os lugares.  “Foi uma oportunidade única poder circular por aqui e apresentar minha obra autoral – de uma mulher, nordestina, cordelista, mãe e negra - tanto na capital paulista como em bibliotecas pequenas das cidades do interior”, comenta a contadora de histórias, elogiando o empenho das bibliotecas em receber o projeto e enaltecendo o viés da proposta do SisEB (Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas de São Paulo), que visa espalhar a literatura por todos os cantos, valorizando autores e narradores. De Recife para São Paulo Em São Paulo, Mari Bagio comandou duas sessões de “Contação de Histórias - Literatura de Cordel” na oca da Biblioteca Parque Villa-Lobos, reunindo 88 crianças e adolescentes, entre 8 e 15 anos, acompanhadas de 10 professores, que vieram de três escolas públicas (CCA São Paulo da Cruz, EMEF Prof Luiz David Sobrinho e CEU EMEF César Arruda Castanho). “Percebi que os professores se sentem muito satisfeitos em poder proporcionar momentos tão especiais aos seus alunos”, observou Mari.Com 17 anos de carreira, tendo recebido diversos prêmios ao longo dessa trajetória, possui dezenas de cordéis e 17 livros infantis publicados, além de álbuns musicais e canções disponíveis para escuta nas principais plataformas digitais. No seu canal no YouTube é possível encontrar algumas de suas histórias, nas quais mistura cordel, música, sonoplastia, teatro de bonecos, mamulengos, fantoches e outros recursos cênicos.Imagem: Mari Bagio durante sessão na Biblioteca Parque Villa-Lobos (23 de ago. SP) Foto: equipe SP Leituras.   
Literatura de Cordel atravessa o século XXI

Literatura de Cordel atravessa o século XXI

A literatura de Cordel no Brasil, também conhecida como folheto, literatura popular em verso, ou simplesmente cordel, no início, estava ligada aos grupos sociais mais pobres do Nordeste – ou “marginalizados. Com suas raízes na oralidade, mais intensamente nas últimas décadas do século XX, essa literatura deixou de ficar restrita às camadas populares; ao contrário, pessoas com formação escolar e intelectuais passaram a compor cordéis. Muitas das antigas histórias continuam sendo reeditadas até hoje. Na modernidade, esta tradição literária continua viva ganhando novos contornos pelas vozes de autoras e autores contemporâneos. Nesta 16ª edição do Viagem Literária, a Cia. Pé do Ouvido, criada em 2013, trouxe para o público de quatro bibliotecas públicas municipais das cidades de Ubarana, Tabapuã, Monte Aprazível e Colina, no interior paulista, entre os dias 20 e 23 de agosto de 2024, um repertório de narrativas e canções que celebram os pássaros e o desejo humano de voar. Mas com um novo ingrediente: todas as histórias são cordéis, escritos por autoras e autores contemporâneos, como Cristiano Gouveia, Sandra Lane, Cascão e Carolina Resende. Cada texto traz um tema, um estilo próprio de versejar, mas uma coisa em comum: as aves são as personagens principais em todos eles.As apresentações da contadora de histórias, Lilia Nemes e do violonista e cantor, Daniel Conti, deixaram as narrações bem musicais, divertidas e poéticas. “Entre uma história e outra, cantamos músicas tradicionais sobre os passarinhos e outras aves e sobre o nosso desejo - muito humano -  de voar”, comenta  a dupla. De geração em geração Para a Cia. Pé do Ouvido, a literatura de cordel é uma manifestação cultural popular, ligada à oralidade, à improvisação, à palavra cantada e aos contextos de festa, de feira, praça e diversão. “É um desafio é também um grande benefício para esses espaços, uma forma de arejá-los com a riqueza e a força dessa cultura nordestina que, por muito tempo, foi considerada, de forma preconceituosa, como "inferior" ou "menor" em relação à cultura escrita dos homens brancos letrados”, comenta Lilia Nemes.Ela acredita que a literatura de cordel tem um papel fundamental na divulgação das tradições culturais brasileiras, tanto pelos temas que os folhetos comunicam, quanto pelas características formais da linguagem, que facilitam sua memorização e consequente repetição pelas pessoas. “A popularidade da literatura de cordel ao longo do tempo e a passagem dessa linguagem de geração em geração mostram a importância dos cordéis como meio de comunicação e expressão da cultura brasileira” , diz Lilia. A Cia. Pé do Ouvido compartilha contos de tradição oral e narrativas literárias. A dupla participou do Viagem Literária, gravou contações de história no programa Quintal da Cultura, da TV Cultura, e tem se apresentado em bibliotecas, unidades do Sesc, centros culturais e escolas. Em 2021, montou seu primeiro espetáculo teatral, Os filhos de Iauaretê, a onça-rei, de Kaká Werá, com direção de Thaís Medeiros. A inspiração para o surgimento da companhia veio do movimento crescente de contadoras e contadores de história na cidade de São Paulo, a partir dos anos 2000. A narração de histórias - esta cultura tão antiga quanto a humanidade - estava sendo retomada com muita força naquela época em muitas cidades brasileiras e eu fiquei encantada com a possibilidade de exercer o meu ofício de atriz numa relação mais direta com o público e com as histórias, sem precisar necessariamente do complexo processo de produção coletiva que uma peça teatral exige. Débora Sperl fundou companhia juntamente com Lilia Nemes e permaneceu como parceira até 2023. 
Drika Nunes: aproximando o nordeste e o sudeste brasileiros com brincadeiras, rimas e alegria!

Drika Nunes: aproximando o nordeste e o sudeste brasileiros com brincadeiras, rimas e alegria!

Entre versos, rimas e contações de histórias, Adriana de Fátima Nunes Lima, a Drika Nunes, concluiu sua jornada na 16ª edição Viagem Literária com a sensação de missão cumprida: o de fortalecer os vínculos entre as culturas do nordeste e sudeste do Brasil, trazendo a Literatura de Cordel, tema do programa de 2024, para o centro da programação das bibliotecas públicas das cidades de Presidente Venceslau, Rosana e Narandiba, no interior paulista, entre os dias 20 e 22 de agosto. O público participante da experiência viva das contações de histórias teve o privilégio de se conectar ainda mais com a cultura popular do país, por meio das rimas, das brincadeiras e da alegria, tudo pela voz de Drika. E a comunicóloga, atriz, contadora de histórias e mediadora de leitura, criadora da Cia. Hespérides, deu seu recado logo de cara nas suas apresentações pelo Viagem Literária: “Senta que lá vem história... conhece essa frase? Vamos lá!”“Por que me assistir? Ô da lincença pra quem tá chegando, que agora eu vou contar, tem história daqui e dalí, desde o sertão até a capitar! Eita que vai ter medo, medinho e medão tudo em forma de cordel, bora olhar pras nossas lendas do imaginário de outros tempos, aquelas todas de fazer xixi na cama! Ainda vai ter interação, brincadeiras e histórias surpresas e depois de tudo, tem é o desafio do cordel, quero ver a criançada toda se desafiar, quem vai chegar?”Um pouco mais de Drika Nunes Acredite. A contadora de histórias confessa ter sido muito tímida e insegura no passado. Antes de atuar como professora de literatura viva no projeto Metamorfoses da ONG Casulo e como professora especialista na arte de contar histórias pela Associação Crescer Sempre, ela conta como foi a transição de professora de literatura viva para atriz, contadora de histórias e mediadora de leitura, e como essas experiências anteriores influenciam seu trabalho atual na Cia. Hespérides – que realiza apresentações nacionais e internacionais em teatros, bibliotecas, praças, centros culturais, escolas, livrarias, presídios e hospitais, para públicos de todas as idades.“O teatro chegou antes, nos tempos da universidade. Eu era muito tímida e insegura e o momento de apresentar o TCC para mim era desafiador, então, fui fazer teatro somente com esse intuito e digo que devia ser obrigatório para qualquer pessoa. Foi terapêutico além de tudo, mas.... não optei em seguir”, relembra a contadora. E tudo foi um sucesso: nota 10 no trabalho, que leu rendeu 3 prêmios. Vida que segue. A "contação de histórias" já havia entrado na vida de Drika, quando cursava uma pós-graduação na arte de contar histórias e era professora em uma universidade na Av. Paulista. À época, foi convidada para trabalhar em sala de leitura na comunidade do Paraisópolis. “Meu coração bateu forte, me tirou o sono; A família toda foi contra (naquele momento a comunidade era bem perigosa)”. relembra. Mas ela abraçou a causa, pediu as contas e atravessava a cidade literalmente de norte a sul, todos os dias da semana. Segundo a contadora, o trabalho que mais lhe deu satisfação, amor, alegrias. A partir disso contar histórias se tornou rotina. Aos finais de semana se apresentava em livrarias (todas) Fnac, Cultura, da Vila, Saraiva, Mega Store, em SP, Cotia e Campinas. Contava histórias 7 dias da semana e claro, mediava leitura e criava tempo para os ensaios e criação de repertório para as Hespérides.“Tive a sorte de ter grandes vozes nacionais e internacionais que me direcionaram a descobrir meu lugar no mundo, mas digo que os meus grandes mestres foram: as livrarias, a comunidade e o contar em hospitais; nenhum profissional-artista me ensinou tanto como o fazer; a prática e me influencia até hoje e acredito que para sempre nesse lugar de aprendizado eterno. (ao menos nessa vida). E foi assim, bem assim, que cheguei até aqui”, destacou a atriz. Contando histórias para promover inclusão e transformação socialEm 2023, Drika Nunes tornou-se patrona na Academia Brasileira de Contadores de Histórias. Destacando essa posição na promoção da arte da narrativa oral no Brasil, ela acredita na importância desse papel social de levar as histórias a todos os cantos dentro e fora do país. “Carrego um nome, que é o meu, mas carrego um país quando estou fora, e em cada lugar, levo comigo a ABCH onde me responsabilizo pelas palavras que brotam no mundo, porque são as minhas palavras, mesmo que elas tenham vindo de livros ou de outras bocas, ainda assim, são minhas, comenta.  Vale lembrar que Drika Nunes também eecebeu o Troféu Baobá, considerado o mais importante dos contadores de histórias do Brasil e meembro da Red Internacional de Cuentacuentos.Citando um ditado Etíope "Quando o coração da gente transborda, ele sai pela boca em forma de histórias", Drika diz que toda boa história começa com o silêncio, observação e verdade. “Faz parte do meu trabalho, criar laço ou minimamente conexão e para isso, há que se ter escuta, que é muito mais que ouvir.  "É uma capacidade que nem tod@s tem e, nessa escuta, entrego o meu melhor para aquele momento. De coração a coração!”  Imagem: Drika Nunes em apresentação na cidade de ROsana (Viagem Literária 2024).