Livre as palavras da poeira do cotidiano - Viagem Literária

Livre as palavras da poeira do cotidiano

Renato Parada

“De todas as artes, a literatura é a mais ingrata.” A princípio, a afirmação do escritor Flavio Cafiero soa um tanto estranha, especialmente quando proferida por quem tira das palavras o próprio sustento. Mas ganha outro sentido quando entendemos o contexto: a matéria-prima dos autores é algo de uso comum e cotidiano e, portanto, exige uma dose extra de criatividade para obter diferentes níveis de significação e atingir a sua potência máxima.

 

Mostrar um lado da escrita mais rico e dinâmico foi o foco da oficina Da leitura à escrita: os contos de Geovani Martins, ministrada pelo escritor nas bibliotecas de Vargem Grande do Sul, Santa Cruz das Palmeiras, Ibaté e São Pedro, de 25 a 28 de julho. “Precisamos livrar as palavras da poeira do cotidiano e para isso só existe dois caminhos: lendo e escrevendo, ou seja, precisamos testar, brincar com as palavras, fazer com que o texto ganhe uma nova dimensão a cada leitura”, diz Cafiero.

 

A literatura é um campo de expressão livre, por isso mesmo não deve ser monótona. Quando fala sobre o refinamento da escrita, Flavio não está pregando o uso de palavras rebuscadas. “O inusitado, o estimulante, está no simples, mas não no banal, Habilidade trabalhada com proeza nos textos de Geovani Martins”, destaca. Para trazer um exemplo concreto, Cafiero compartilhou o conto O caso da borboleta, de autoria do escritor carioca, que mostra o deslumbramento e os devaneios de um menino diante de uma borboleta. “O Geovani usa linguagem bem trivial, mas o texto é extremamente rico porque foi desenvolvido como o pensamento de uma criança. Nada está ali por acaso, inclusive a repetição de algumas palavras é proposital”, observa.

 

A elegância de um texto está também na sua ambivalência de sentidos. Num primeiro olhar, a leitura parece leve e agradável, mas nas entrelinhas aborda um tema pesado, como a morte. “Outro ponto de destaque é o uso do narrador onisciente, que tem o poder de entrar na cabeça do personagem e respeita a condição da criança na sua narrativa”, conta Cafiero. Para ele, o grande diferencial da escrita de Geovani Martins está na capacidade de contar lindamente histórias do cotidiano e sempre a partir de coisas pequenas. “Quanto mais particular formos na literatura, mas universal nos tornamos”, ensina o escritor.

 

Para finalizar a oficina, Flavio convidou os participantes a escreverem alguns textos usando como mote fatos corriqueiros, como o encontro de uma pessoa com um bicho qualquer, e posteriormente compartilhar as histórias com o grupo. 

 

Flavio Cafiero é autor de O frio aqui fora, Dez centímetros acima do chão (ganhador do Prêmio Jabuti), O capricórnio se aproxima, Espera passar o avião e Diga que não me conhece (vencedor do prêmio das Associação Paulista de Críticos Teatrais).

 

 

 

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Tributo à capoeira

Tributo à capoeira

São poucas as pessoas que conseguem transformar a paixão de vida em profissão. Esse é o caso do grupo Mandingueiras da Pracinha formado pelas contadoras de histórias, brincantes e capoeiristas Paula Castro e Camila Signorini. A dupla convidada a participar novamente do Viagem Literária comandou os espetáculos das bibliotecas de Ilhabela, São Sebastião, Biritiba Mirim e Suzano, de 22 a 25 de agosto. As apresentações foram baseadas no livro Em um tronco de Iroko vi a Iúna Cantar, de Erika Balbino. O tema da história já entrega o motivo da escolha. “O livro é sobre dois irmãos que conheceram a capoeira por meio de seres folclóricos, de deuses e entidades da natureza, trazendo recortes sobre a religiosidade afro-brasileira e afro-indígena. É uma aventura encantadora”, detalha Camila. Para a dupla, o Viagem Literária ao promover a aproximação das pessoas com o livro, a leitura e a literatura prova o quanto as bibliotecas são locais de  potência. “Além disso, com o processo de formação de público realizado antes das apresentações, aumenta a interatividade no decorrer do espetáculo, contribuindo com a inclusão de novos elementos no enredo e fazendo a aventura ficar muito mais divertida”, observa Paula. O grupo Mandingueiras da Pracinha atua desde 2017 com narrações de histórias, brincadeiras, vivências e oficinas. No último ano participou do Viagem Literária, da Hora do Conto da Biblioteca Pública de São José do Rio Preto e do Dia do Folclore de Brotas. Desenvolveu projetos contemplados no Edital ProAC Expresso e no Prêmio Nelson Seixas.    
Lições do mundo

Lições do mundo

Que lições as histórias trazem? Para os povos indígenas originários, as lendas, os contos e as tradições orais são uma forma de aprender o mundo. Ao participar do Viagem Literária, o escritor Cristino Wapichana fez questão de levar um pouco desses aprendizados para o público das bibliotecas de Garça, Bauru, Lençóis Paulistas e Botucatu, de 22 a 25 de agosto. Para o programa, selecionou três livros de sua autoria: A onça e o fogo, Sapatos trocados e Ceuci, a mãe do pranto. “O livro da Ceuci fala sobre algo muito valioso nos dias de hoje: o tempo. Ensina a vivermos o presente e sem ficar adiando as coisas”, conta o escritor. Uma das vantagens citadas por Cristino de participar do programa é poder mostrar para as pessoas como vivem os povos originários atualmente, afinal a imagem que muitos têm na cabeça ainda remetem há 200, 300 anos. “Somos pessoas ativas, desempenhamos várias profissões na sociedade, pagamos impostos e participamos ativamente da vida do país. Eu, por exemplo, além de escritor sou músico, cineasta e contador de histórias”, explica. Para ele, é importante a sociedade conhecer a diversidade dos povos originários para que sejam respeitados em sua cultura, no jeito de ser e de estar. “Só assim é possível conscientizar as pessoas para protegerem as matas e os rios e a defenderem as nossas terras, afinal somos todos iguais e compartilhamos do mesmo mundo.” Cristino Wapichana é patrono da cadeira 146º da Academia de Letras dos Professores da cidade de São Paulo. É autor de nove livros e vencedor de premiações relevantes, como o Prêmio Peter Pan, do Internacional Board on Books for Young People, e o Prêmio Jabuti. 
Mitos da criação

Mitos da criação

Contos que falam sobre a origem do universo e dos seres humanos deram o tom das apresentações da Cia. Koi, que percorreu as bibliotecas das cidades de Taubaté, São José dos Campos, Jacareí e Guararema, de 22 a 25 de agosto. Os espetáculos trouxeram para o Viagem Literária a delicadeza da arte japonesa de contar histórias chamada Kamishibai (teatro de papel), que mistura a narração com ilustrações artísticas. “Escolhemos as histórias de origem porque abordam temas essenciais à vida. Muito além da ciência, esses saberes ancestrais nos conectam com a nossa própria essência”, conta a atriz Andressa Giacomini. As encenações musicadas apresentaram os contos do livro Quando tudo começou, de César Obeid. Entre as histórias escolhidas estão o conto chinês O gigante Pan-ku, o conto indiano O sábio Manu e a história do povo originário brasileiro Karib em As criações de Purã. A obra está disponível para empréstimo na BibliON, a biblioteca digital gratuita de São Paulo. O grupo já é um velho conhecido do Viagem Literária e acredita que o programa é um momento único para conectar de forma lúdica e atrativa a literatura, os livros, as histórias, a arte e as bibliotecas. A Cia. Koi foi fundada em 2019, no município de Lins, pela atriz Andressa Giacomini e pela ilustradora Amanda Marques. Desenvolve projetos que circulam em bibliotecas, projetos sociais, escolas e festivais, sendo contemplada com vários prêmios, como Funarte RespirArte, ProAC e Aldir Blanc.