Mari Bigio: a voz feminina do cordel aterrissa em terras paulistas diretamente do Nordeste
A jornada de Mari Bigio no Viagem Literária 2024 foi longa.
De 20 a 30 de agosto, a pernambucana de Recife que se tornou escritora,
cordelista, contadora de histórias, compositora, cantora e radialista, percorreu
nada menos do que oito municípios paulistas – de Pinhalzinho a Itatiba e Caieiras,
passando por São Paulo, na Biblioteca Parque Villa-Lobos, seguindo para Pardinho,
Itapetininga, Tatuí e Itu -, levando a literatura de cordel para um público sempre
(e prá lá) de receptivo. “Me sinto honrada, como nordestina, em poder participar
do programa deste ano, que coloca a voz do cordel em evidência, um patrimônio
cultural nacional”, destacou Mari. Para Mari, a arte precisa viajar para todos os lugares. “Foi uma oportunidade única poder circular
por aqui e apresentar minha obra autoral – de uma mulher, nordestina, cordelista,
mãe e negra - tanto na capital paulista como em bibliotecas pequenas das
cidades do interior”, comenta a contadora de histórias, elogiando o empenho das
bibliotecas em receber o projeto e enaltecendo o viés da proposta do SisEB (Sistema
Estadual de Bibliotecas Públicas de São Paulo), que visa espalhar a literatura
por todos os cantos, valorizando autores e narradores. De Recife para São Paulo Em São Paulo, Mari Bagio comandou duas sessões de “Contação
de Histórias - Literatura de Cordel” na oca da Biblioteca Parque Villa-Lobos, reunindo
88 crianças e adolescentes, entre 8 e 15 anos, acompanhadas de 10 professores, que
vieram de três escolas públicas (CCA São Paulo da Cruz, EMEF Prof Luiz David
Sobrinho e CEU EMEF César Arruda Castanho). “Percebi que os professores se sentem
muito satisfeitos em poder proporcionar momentos tão especiais aos seus alunos”,
observou Mari.Com 17 anos de carreira, tendo recebido diversos prêmios ao
longo dessa trajetória, possui dezenas de cordéis e 17 livros infantis
publicados, além de álbuns musicais e canções disponíveis para escuta nas
principais plataformas digitais. No seu canal no YouTube é possível encontrar
algumas de suas histórias, nas quais mistura cordel, música, sonoplastia,
teatro de bonecos, mamulengos, fantoches e outros recursos cênicos.Imagem: Mari Bagio durante sessão na Biblioteca Parque Villa-Lobos (23 de ago. SP) Foto: equipe SP Leituras.
Literatura de Cordel atravessa o século XXI
A literatura de Cordel no Brasil, também conhecida como
folheto, literatura popular em verso, ou simplesmente cordel, no início, estava
ligada aos grupos sociais mais pobres do Nordeste – ou “marginalizados. Com
suas raízes na oralidade, mais intensamente nas últimas décadas do século XX,
essa literatura deixou de ficar restrita às camadas populares; ao contrário,
pessoas com formação escolar e intelectuais passaram a compor cordéis. Muitas
das antigas histórias continuam sendo reeditadas até hoje. Na modernidade, esta
tradição literária continua viva ganhando novos contornos pelas vozes de autoras
e autores contemporâneos. Nesta 16ª edição do Viagem Literária, a Cia. Pé do Ouvido, criada
em 2013, trouxe para o público de quatro bibliotecas públicas municipais das
cidades de Ubarana, Tabapuã, Monte Aprazível e Colina, no interior paulista, entre
os dias 20 e 23 de agosto de 2024, um repertório de narrativas e canções que
celebram os pássaros e o desejo humano de voar. Mas com um novo ingrediente: todas
as histórias são cordéis, escritos por autoras e autores contemporâneos, como Cristiano
Gouveia, Sandra Lane, Cascão e Carolina Resende. Cada texto traz um tema, um
estilo próprio de versejar, mas uma coisa em comum: as aves são as personagens
principais em todos eles.As apresentações da contadora de histórias, Lilia Nemes e do
violonista e cantor, Daniel Conti, deixaram as narrações bem musicais,
divertidas e poéticas. “Entre uma história e outra, cantamos músicas
tradicionais sobre os passarinhos e outras aves e sobre o nosso desejo - muito
humano - de voar”, comenta a
dupla. De geração em geração Para a Cia. Pé do Ouvido, a literatura de cordel é uma
manifestação cultural popular, ligada à oralidade, à improvisação, à palavra
cantada e aos contextos de festa, de feira, praça e diversão. “É um desafio é
também um grande benefício para esses espaços, uma forma de arejá-los com a
riqueza e a força dessa cultura nordestina que, por muito tempo, foi
considerada, de forma preconceituosa, como "inferior" ou
"menor" em relação à cultura escrita dos homens brancos letrados”,
comenta Lilia Nemes.Ela acredita que a literatura de cordel tem um papel
fundamental na divulgação das tradições culturais brasileiras, tanto pelos
temas que os folhetos comunicam, quanto pelas características formais da
linguagem, que facilitam sua memorização e consequente repetição pelas pessoas.
“A popularidade da literatura de cordel ao longo do tempo e a passagem dessa
linguagem de geração em geração mostram a importância dos cordéis como meio de
comunicação e expressão da cultura brasileira” , diz Lilia. A Cia. Pé do Ouvido compartilha contos
de tradição oral e narrativas literárias. A dupla participou do Viagem
Literária, gravou contações de história no programa Quintal da Cultura, da TV
Cultura, e tem se apresentado em bibliotecas, unidades do Sesc, centros
culturais e escolas. Em 2021, montou seu primeiro espetáculo teatral, Os
filhos de Iauaretê, a onça-rei, de Kaká Werá, com direção de Thaís
Medeiros.
A inspiração para o surgimento da companhia veio do movimento
crescente de contadoras e contadores de história na cidade de São Paulo, a
partir dos anos 2000. A narração de histórias - esta cultura tão antiga quanto
a humanidade - estava sendo retomada com muita força naquela época em muitas
cidades brasileiras e eu fiquei encantada com a possibilidade de exercer o meu
ofício de atriz numa relação mais direta com o público e com as histórias, sem
precisar necessariamente do complexo processo de produção coletiva que uma peça
teatral exige. Débora Sperl fundou companhia juntamente com Lilia Nemes e
permaneceu como parceira até 2023.
Drika Nunes: aproximando o nordeste e o sudeste brasileiros com brincadeiras, rimas e alegria!
Entre versos, rimas e contações de histórias, Adriana de
Fátima Nunes Lima, a Drika Nunes, concluiu sua jornada na 16ª edição Viagem
Literária com a sensação de missão cumprida: o de fortalecer
os vínculos entre as culturas do nordeste e sudeste do Brasil, trazendo a
Literatura de Cordel, tema do programa de 2024, para o centro da programação
das bibliotecas públicas das cidades de Presidente Venceslau, Rosana e Narandiba, no interior paulista, entre os dias 20 e
22 de agosto. O público participante da experiência viva das contações de
histórias teve o privilégio de se conectar ainda mais com a cultura popular do país,
por meio das rimas, das brincadeiras e da alegria, tudo pela voz de Drika. E a comunicóloga,
atriz, contadora de histórias e mediadora de leitura, criadora da Cia.
Hespérides, deu seu recado logo de cara nas suas apresentações
pelo Viagem Literária: “Senta que lá vem história... conhece essa
frase? Vamos lá!”“Por que me assistir? Ô da lincença pra quem tá chegando,
que agora eu vou contar, tem história daqui e dalí, desde o sertão até a
capitar! Eita que vai ter medo, medinho e medão tudo em forma de cordel, bora
olhar pras nossas lendas do imaginário de outros tempos, aquelas todas de fazer
xixi na cama! Ainda vai ter interação, brincadeiras e histórias surpresas e
depois de tudo, tem é o desafio do cordel, quero ver a criançada toda se
desafiar, quem vai chegar?”Um pouco mais de Drika Nunes Acredite. A contadora de histórias confessa ter sido muito
tímida e insegura no passado. Antes de atuar
como professora de literatura viva no projeto Metamorfoses da ONG Casulo e como
professora especialista na arte de contar histórias pela Associação Crescer
Sempre, ela conta como foi a transição de professora de literatura viva para
atriz, contadora de histórias e mediadora de leitura, e como essas experiências
anteriores influenciam seu trabalho atual na Cia. Hespérides – que realiza
apresentações nacionais e internacionais em teatros, bibliotecas, praças,
centros culturais, escolas, livrarias, presídios e hospitais, para públicos de
todas as idades.“O teatro chegou antes, nos tempos da universidade. Eu era
muito tímida e insegura e o momento de apresentar o TCC para mim era
desafiador, então, fui fazer teatro somente com esse intuito e digo que devia
ser obrigatório para qualquer pessoa. Foi terapêutico além de tudo, mas.... não
optei em seguir”, relembra a contadora. E tudo foi um sucesso: nota 10 no
trabalho, que leu rendeu 3 prêmios. Vida que segue. A "contação de histórias" já havia entrado na vida
de Drika, quando cursava uma pós-graduação na arte de contar histórias e era
professora em uma universidade na Av. Paulista. À época, foi convidada para
trabalhar em sala de leitura na comunidade do Paraisópolis. “Meu coração bateu
forte, me tirou o sono; A família toda foi contra (naquele momento a comunidade
era bem perigosa)”. relembra. Mas ela abraçou a causa, pediu as contas e
atravessava a cidade literalmente de norte a sul, todos os dias da semana. Segundo
a contadora, o trabalho que mais lhe deu satisfação, amor, alegrias. A partir disso contar histórias se tornou rotina. Aos finais
de semana se apresentava em livrarias (todas) Fnac, Cultura, da Vila, Saraiva,
Mega Store, em SP, Cotia e Campinas. Contava histórias 7 dias da semana e
claro, mediava leitura e criava tempo para os ensaios e criação de repertório
para as Hespérides.“Tive a sorte de ter grandes vozes nacionais e
internacionais que me direcionaram a descobrir meu lugar no mundo, mas digo que
os meus grandes mestres foram: as livrarias, a comunidade e o contar em
hospitais; nenhum profissional-artista me ensinou tanto como o fazer; a prática
e me influencia até hoje e acredito que para sempre nesse lugar de aprendizado
eterno. (ao menos nessa vida). E foi assim, bem assim, que cheguei até aqui”, destacou a atriz. Contando histórias para promover inclusão e transformação
socialEm 2023, Drika Nunes tornou-se patrona na Academia
Brasileira de Contadores de Histórias. Destacando essa posição na promoção da
arte da narrativa oral no Brasil, ela acredita na importância desse papel
social de levar as histórias a todos os cantos dentro e fora do país. “Carrego
um nome, que é o meu, mas carrego um país quando estou fora, e em cada lugar,
levo comigo a ABCH onde me responsabilizo pelas palavras que brotam no mundo,
porque são as minhas palavras, mesmo que elas tenham vindo de livros ou de
outras bocas, ainda assim, são minhas, comenta. Vale lembrar que Drika Nunes também eecebeu o
Troféu Baobá, considerado o mais importante dos contadores de histórias do
Brasil e meembro da Red Internacional de Cuentacuentos.Citando um ditado Etíope "Quando o coração da
gente transborda, ele sai pela boca em forma de histórias", Drika
diz que toda boa história começa com o silêncio, observação e verdade. “Faz
parte do meu trabalho, criar laço ou minimamente conexão e para isso, há que se
ter escuta, que é muito mais que ouvir. "É uma capacidade que nem tod@s tem e, nessa escuta, entrego o meu melhor para
aquele momento. De coração a coração!”
Imagem: Drika Nunes em apresentação na cidade de ROsana (Viagem Literária 2024).