Começar uma história é sempre difícil

Mesmo autores experientes enfrentam o dilema da folha em branco. Começar um novo romance, um conto, uma poesia ou um simples texto é sempre difícil, mas o escritor Bruno Ribeiro tem algumas técnicas para desbloquear a criatividade, apresentadas nas oficinas Escrita Criativa: o processo e o resultado na literatura, realizadas de 11 a 14 de julho, nas bibliotecas das cidades de Tarumã, Santa Cruz do Rio Pardo, Fartura e Barão de Antonina.
Segundo ele, independentemente do gênero, iniciar um texto requer atenção a três elementos básicos: “o que”, “como” e “voz”. “O que” é o assunto principal do texto e neste quesito não existe tema original, afinal será praticamente impossível, com exceção de assuntos ficcionais, encontrar algo que alguém já não tenha falado. “A originalidade é muito batida. A literatura nasce no “como”. Não importa o tema escolhido, como você vai contar a história faz toda a diferença. E não é só jogar a informação no papel, é preciso transformar em arte”, ensina o escritor. Como exemplo, ele trouxe trechos da obra Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, e Paixão segundo GH, de Clarice Lispector.
A “voz” é o tom de como você escreve. E cuidado: não existe uma forma correta de escrever. “Às vezes, o que você acha que é um defeito pode ser o seu estilo”, explica Barreto. Só não vale tentar copiar o estilo de outros escritores. Essa receita sempre azeda e nunca dá certo.
Outra dica valiosa apresentada na oficina é o uso do acrônimo PENTE para planejar a narrativa de uma história, sendo ele definido como: personagem, enredo, narrador, tempo e espaço. O personagem e o narrador são o alicerce da história e devem ter a sua voz muito bem construída. A descrição do personagem, inclusive, precisa ir além das características físicas e deve incluir aspectos emocionais e de personalidade determinantes para o desenrolar do enredo. “Apresentar qualidades, defeitos e contrastes enriquecem o personagem, mas não precisa ser literal, o segredo está em mostrar e não contar”, observa o escritor.
Já um bom enredo serve para apimentar os conflitos e embaralhar a história, algo que na literatura é chamado de incidente incitante, ou seja, algo acrescentado na história para proporcionar o desequilíbrio linear do personagem. Por isso, é preciso alimentar a narrativa com dramas. “O drama do personagem reage e interfere nos fatores externos da história, provocando o conflito. Lembrando que nem sempre o que o personagem deseja, é o que ele precisa.” O tempo e o espaço também precisam ter voz dentro da história. Essa definição necessita de coerência com o enredo, personagens e voz do narrador escolhidos.
Para colocar os ensinamentos em prática, Bruno pediu aos participantes da oficina para fazerem a descrição de um personagem, colocá-lo em uma cena e posteriormente criar um conflito, sugerindo o início de uma história.
Bruno Ribeiro é autor do livro de contos Arranhando Paredes e dos romances Febre de Enxofre, Glitter, entre outros. Mestre em escrita criativa pela Universidad Nacional de Tres de Febrero, na Argentina, foi vencedor dos prêmios Brasil em Prosa, Todavia de Não Ficção e Machado Darkside, na categoria romance/contos, com Porco de raça.

Blog
Fique por dentro de tudo o que acontece nos três módulos do Viagem Literária!

Tributo à capoeira
São poucas as pessoas que conseguem transformar a paixão de vida em profissão. Esse é o caso do grupo Mandingueiras da Pracinha formado pelas contadoras de histórias, brincantes e capoeiristas Paula Castro e Camila Signorini. A dupla convidada a participar novamente do Viagem Literária comandou os espetáculos das bibliotecas de Ilhabela, São Sebastião, Biritiba Mirim e Suzano, de 22 a 25 de agosto. As apresentações foram baseadas no livro Em um tronco de Iroko vi a Iúna Cantar, de Erika Balbino. O tema da história já entrega o motivo da escolha. “O livro é sobre dois irmãos que conheceram a capoeira por meio de seres folclóricos, de deuses e entidades da natureza, trazendo recortes sobre a religiosidade afro-brasileira e afro-indígena. É uma aventura encantadora”, detalha Camila. Para a dupla, o Viagem Literária ao promover a aproximação das pessoas com o livro, a leitura e a literatura prova o quanto as bibliotecas são locais de potência. “Além disso, com o processo de formação de público realizado antes das apresentações, aumenta a interatividade no decorrer do espetáculo, contribuindo com a inclusão de novos elementos no enredo e fazendo a aventura ficar muito mais divertida”, observa Paula. O grupo Mandingueiras da Pracinha atua desde 2017 com narrações de histórias, brincadeiras, vivências e oficinas. No último ano participou do Viagem Literária, da Hora do Conto da Biblioteca Pública de São José do Rio Preto e do Dia do Folclore de Brotas. Desenvolveu projetos contemplados no Edital ProAC Expresso e no Prêmio Nelson Seixas..jpeg&largura=730&altura=394)
Lições do mundo
Que lições as histórias trazem? Para os povos indígenas originários, as lendas, os contos e as tradições orais são uma forma de aprender o mundo. Ao participar do Viagem Literária, o escritor Cristino Wapichana fez questão de levar um pouco desses aprendizados para o público das bibliotecas de Garça, Bauru, Lençóis Paulistas e Botucatu, de 22 a 25 de agosto. Para o programa, selecionou três livros de sua autoria: A onça e o fogo, Sapatos trocados e Ceuci, a mãe do pranto. “O livro da Ceuci fala sobre algo muito valioso nos dias de hoje: o tempo. Ensina a vivermos o presente e sem ficar adiando as coisas”, conta o escritor. Uma das vantagens citadas por Cristino de participar do programa é poder mostrar para as pessoas como vivem os povos originários atualmente, afinal a imagem que muitos têm na cabeça ainda remetem há 200, 300 anos. “Somos pessoas ativas, desempenhamos várias profissões na sociedade, pagamos impostos e participamos ativamente da vida do país. Eu, por exemplo, além de escritor sou músico, cineasta e contador de histórias”, explica. Para ele, é importante a sociedade conhecer a diversidade dos povos originários para que sejam respeitados em sua cultura, no jeito de ser e de estar. “Só assim é possível conscientizar as pessoas para protegerem as matas e os rios e a defenderem as nossas terras, afinal somos todos iguais e compartilhamos do mesmo mundo.” Cristino Wapichana é patrono da cadeira 146º da Academia de Letras dos Professores da cidade de São Paulo. É autor de nove livros e vencedor de premiações relevantes, como o Prêmio Peter Pan, do Internacional Board on Books for Young People, e o Prêmio Jabuti.
Mitos da criação
Contos que falam sobre a origem do universo e dos seres humanos deram o tom das apresentações da Cia. Koi, que percorreu as bibliotecas das cidades de Taubaté, São José dos Campos, Jacareí e Guararema, de 22 a 25 de agosto. Os espetáculos trouxeram para o Viagem Literária a delicadeza da arte japonesa de contar histórias chamada Kamishibai (teatro de papel), que mistura a narração com ilustrações artísticas. “Escolhemos as histórias de origem porque abordam temas essenciais à vida. Muito além da ciência, esses saberes ancestrais nos conectam com a nossa própria essência”, conta a atriz Andressa Giacomini. As encenações musicadas apresentaram os contos do livro Quando tudo começou, de César Obeid. Entre as histórias escolhidas estão o conto chinês O gigante Pan-ku, o conto indiano O sábio Manu e a história do povo originário brasileiro Karib em As criações de Purã. A obra está disponível para empréstimo na BibliON, a biblioteca digital gratuita de São Paulo. O grupo já é um velho conhecido do Viagem Literária e acredita que o programa é um momento único para conectar de forma lúdica e atrativa a literatura, os livros, as histórias, a arte e as bibliotecas. A Cia. Koi foi fundada em 2019, no município de Lins, pela atriz Andressa Giacomini e pela ilustradora Amanda Marques. Desenvolve projetos que circulam em bibliotecas, projetos sociais, escolas e festivais, sendo contemplada com vários prêmios, como Funarte RespirArte, ProAC e Aldir Blanc.

