A força do diálogo

Um dos elementos cruciais na construção de personagens é a habilidade de criar diálogos autênticos e significativos. Uma simples conversa é capaz de fazer o leitor entrar na alma do protagonista, conhecer sua personalidade, seus conflitos internos, seus saberes e suas vivências. A dica é da escritora e professora de escrita criativa Vanessa Passos, que ministrou a oficina Lendo Autoras Vivas, nas bibliotecas das cidades de Pereira Barreto, Ilha Solteira, Santa Fé do Sul e Fernandópolis, entre os dias 18 e 21 de julho.
O bate-papo virtual começou com a leitura do diálogo de abertura do livro Solitária, de Eliana Alves Cruz, vencedor do Prêmio Jabuti (2022).
– Mãe... a senhora precisa se libertar dessas pessoas... A senhora não deve nada a elas, pelo contrário. Mãe... Sou eu, a Mabel, sua filha. Não tenha medo de encarar esse povo que nunca limpou a própria privada!
Poucas linhas entregam várias dicas sobre as personagens, sem dizer exatamente o que elas são. “De forma sucinta e com o uso de metáforas, a escritora conseguiu nos mostrar várias coisas sobre as protagonistas, como relacionamento pessoal, profissão, condição social e personalidades”, explica Vanessa.
Os personagens também podem falar por meio de gestos. Uma pessoa cabisbaixa transmite a ideia de timidez, fraqueza; mãos trêmulas significam tensão, medo, nervosismo; andar rápido, urgência, pressa, ansiedade. “Mostrar é sempre mais importante do que dizer. Isso faz com que o leitor visualize a cena como se estivesse assistindo uma série”, conta a escritora. Cuidado apenas para não deixar tudo explícito. “O escritor Raphael Montes, autor de Dias perfeitos, sempre diz que a primeira ideia que vem à cabeça é a mais óbvia. Melhor ficar com a segunda opção.”
Para fugir dos bloqueios da escrita, momento batizado por Vanessa como a maldição da trigésima página, é fundamental fazer um planejamento da história. “A escrita nem sempre precisa ser linear. Em A filha primitiva, por exemplo, eu escrevi o fim do livro quando estava ainda na metade do texto.” Outra transgressão permitida é em relação às regras gramaticais e o uso de linguagem coloquial. “Na literatura você não precisa ficar preso na gramática. Em um determinado momento de Não fossem as sílabas do sábado, da Mariana Salomão Carrera, ela some as com vírgulas justamente para passar a ideia de ritmo. A poesia usa muito essa estratégia”, comenta Vanessa.
No fim do bate-papo, os participantes foram convidados a criar um diálogo como exercício para a construção de personagens. Quem quiser receber mais dicas de escrita criativa, é só visitar o canal no YouTube da escritora com vários vídeos sobre o assunto.
Vanessa Passos é doutora em Literatura e pós-doutora em Escrita Criativa sob orientação de Luiz Antonio de Assis Brasil. Seu romance A filha primitiva foi vencedor do Prêmio Kindle de Literatura em 2021 e do Prêmio Jacarandá em 2002. É colunista do jornal O Povo e do site PublishNews.

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Tributo à capoeira
São poucas as pessoas que conseguem transformar a paixão de vida em profissão. Esse é o caso do grupo Mandingueiras da Pracinha formado pelas contadoras de histórias, brincantes e capoeiristas Paula Castro e Camila Signorini. A dupla convidada a participar novamente do Viagem Literária comandou os espetáculos das bibliotecas de Ilhabela, São Sebastião, Biritiba Mirim e Suzano, de 22 a 25 de agosto. As apresentações foram baseadas no livro Em um tronco de Iroko vi a Iúna Cantar, de Erika Balbino. O tema da história já entrega o motivo da escolha. “O livro é sobre dois irmãos que conheceram a capoeira por meio de seres folclóricos, de deuses e entidades da natureza, trazendo recortes sobre a religiosidade afro-brasileira e afro-indígena. É uma aventura encantadora”, detalha Camila. Para a dupla, o Viagem Literária ao promover a aproximação das pessoas com o livro, a leitura e a literatura prova o quanto as bibliotecas são locais de potência. “Além disso, com o processo de formação de público realizado antes das apresentações, aumenta a interatividade no decorrer do espetáculo, contribuindo com a inclusão de novos elementos no enredo e fazendo a aventura ficar muito mais divertida”, observa Paula. O grupo Mandingueiras da Pracinha atua desde 2017 com narrações de histórias, brincadeiras, vivências e oficinas. No último ano participou do Viagem Literária, da Hora do Conto da Biblioteca Pública de São José do Rio Preto e do Dia do Folclore de Brotas. Desenvolveu projetos contemplados no Edital ProAC Expresso e no Prêmio Nelson Seixas..jpeg&largura=730&altura=394)
Lições do mundo
Que lições as histórias trazem? Para os povos indígenas originários, as lendas, os contos e as tradições orais são uma forma de aprender o mundo. Ao participar do Viagem Literária, o escritor Cristino Wapichana fez questão de levar um pouco desses aprendizados para o público das bibliotecas de Garça, Bauru, Lençóis Paulistas e Botucatu, de 22 a 25 de agosto. Para o programa, selecionou três livros de sua autoria: A onça e o fogo, Sapatos trocados e Ceuci, a mãe do pranto. “O livro da Ceuci fala sobre algo muito valioso nos dias de hoje: o tempo. Ensina a vivermos o presente e sem ficar adiando as coisas”, conta o escritor. Uma das vantagens citadas por Cristino de participar do programa é poder mostrar para as pessoas como vivem os povos originários atualmente, afinal a imagem que muitos têm na cabeça ainda remetem há 200, 300 anos. “Somos pessoas ativas, desempenhamos várias profissões na sociedade, pagamos impostos e participamos ativamente da vida do país. Eu, por exemplo, além de escritor sou músico, cineasta e contador de histórias”, explica. Para ele, é importante a sociedade conhecer a diversidade dos povos originários para que sejam respeitados em sua cultura, no jeito de ser e de estar. “Só assim é possível conscientizar as pessoas para protegerem as matas e os rios e a defenderem as nossas terras, afinal somos todos iguais e compartilhamos do mesmo mundo.” Cristino Wapichana é patrono da cadeira 146º da Academia de Letras dos Professores da cidade de São Paulo. É autor de nove livros e vencedor de premiações relevantes, como o Prêmio Peter Pan, do Internacional Board on Books for Young People, e o Prêmio Jabuti.
Mitos da criação
Contos que falam sobre a origem do universo e dos seres humanos deram o tom das apresentações da Cia. Koi, que percorreu as bibliotecas das cidades de Taubaté, São José dos Campos, Jacareí e Guararema, de 22 a 25 de agosto. Os espetáculos trouxeram para o Viagem Literária a delicadeza da arte japonesa de contar histórias chamada Kamishibai (teatro de papel), que mistura a narração com ilustrações artísticas. “Escolhemos as histórias de origem porque abordam temas essenciais à vida. Muito além da ciência, esses saberes ancestrais nos conectam com a nossa própria essência”, conta a atriz Andressa Giacomini. As encenações musicadas apresentaram os contos do livro Quando tudo começou, de César Obeid. Entre as histórias escolhidas estão o conto chinês O gigante Pan-ku, o conto indiano O sábio Manu e a história do povo originário brasileiro Karib em As criações de Purã. A obra está disponível para empréstimo na BibliON, a biblioteca digital gratuita de São Paulo. O grupo já é um velho conhecido do Viagem Literária e acredita que o programa é um momento único para conectar de forma lúdica e atrativa a literatura, os livros, as histórias, a arte e as bibliotecas. A Cia. Koi foi fundada em 2019, no município de Lins, pela atriz Andressa Giacomini e pela ilustradora Amanda Marques. Desenvolve projetos que circulam em bibliotecas, projetos sociais, escolas e festivais, sendo contemplada com vários prêmios, como Funarte RespirArte, ProAC e Aldir Blanc.

