Vozes da periferia - Viagem Literária

Vozes da periferia

Sonia Bischain

O escritor Michel Yakini-Iman levou as vozes e a poesia da periferia de São Paulo para passear pelo interior do estado. Entre os dias 7 de 10 de novembro, o também produtor cultural realizou a oficina virtual “Literatura e oralidade nas periferias de São Paulo” para os públicos das bibliotecas de Limeira, Piracicaba, Santa Bárbara d’Oeste e Itatiba. O objetivo era fazer uma ponte entre a produção de quem escreve na capital com a produção de textos em circulação nas cidades menores.

 

Durante os encontros, Michel apresentou poemas de sua autoria e textos em prosa e poesia de outros escritores. “Também fizemos alguns exercícios de poesia falada e de declamação de textos, exatamente como acontece nos saraus.” O escritor destacou que a evolução da produção literária da periferia de São Paulo vem acontecendo desde o início dos anos 2000 e tem constribuído na formação de novos leitores, no movimento da poesia falada e também no sistema de publicação de selos editoriais. “Esse movimento vem ampliando as vozes e diversificando a literatura brasileira, algo muito importante não apenas para São Paulo, mas para todo o país.”

 

Entre as obras usadas na oficina estão Contos de Yõnu, de Raquel Almeida; Maria Pepe Pueblo/Maria do Povo, de Dinha; Muzimba, na humildade sem maldade, de Akins Kintê; Notas sobre a fome, de Helena Silvestre, entre outros.

 

Michel Yakini-Iman é autor de Futebol não é coisa de menino, Na medula do verbo, Acorde um verso, Crônicas de um peladeiro e do romance Amanhã quero ser vento. Promove palestras e cursos de escrita criativa e é um dos idealizadores do Sarau Elo da Corrente.

 

 

 

Blog

Fique por dentro de tudo o que acontece nos três módulos do Viagem Literária!

Marcela Dantés: “ser finalista de prêmios literários, além de trazer mais leitores, traz oportunidades incríveis, como essa Viagem Literária!”

Marcela Dantés: “ser finalista de prêmios literários, além de trazer mais leitores, traz oportunidades incríveis, como essa Viagem Literária!”

Marcela Dantés é mineira de Belo Horizonte, onde nasceu em 1986. Graduada em Publicidade e Propaganda, ela foi autora residente do Festival Literário Internacional de Óbidos, em Portugal. Sua coletânea de contos “Sobre pessoas normais” (Patuá) foi semifinalista do Prêmio Oceanos. Com os romances “Nem sinal de asas” (Patuá) e “João Maria Matilde” (Autêntica), foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura em 2021 e 2023.  Durante a 16ª edição do programa Viagem Literária:  módulo Encontros com Escritores - Prêmio São Paulo de Literatura, Marcela cumpriu uma intensa agenda de encontros nas bibliotecas públicas de cidades do interior do estado de São Paulo - Mococa, Santa Cruz das Palmeiras, Porto Ferreira e Cordeirópolis -,  entre os dias 1 e 4 de outubro.  Nesta entrevista, a autora comenta sobre a importância da participação de autores e autoras nos programas de incentivo à leitura: “Veja a lista de autores desse ano, que coisa linda: múltipla, com escritores e escritoras de diversos cantos do Brasil, de vários estilos, com os mais distintos públicos. É realmente encantador.”, afirmou Marcela.  Confira abaixo a entrevista na íntegra! Como você avalia o impacto de programas de incentivo à leitura, como a Viagem Literária, na formação de novos leitores e no fomento à literatura?Marcela: Estes programas são fundamentais. Me lembro da minha experiência pessoal, de ser apresentada a escritores na escola e entender a humanidade do ofício. Eram pessoas, pessoas de verdade, que escreviam livros. Isso dá uma nova dimensão à leitura, à descoberta da literatura, ao interesse pelos livros. Enquanto autora, esta é, sem dúvida, uma das partes que mais gosto do meu ofício: conversar com leitores, com futuros leitores, trabalhar intensamente para que os livros cheguem cada vez mais longe e encantem mais pessoas. Você acredita que esses programas conseguem democratizar o acesso à literatura e promover uma maior diversidade de vozes no cenário literário?Marcela: Sem dúvidas. Em um país como o nosso, em que a cultura quase nunca é uma prioridade e que o acesso aos livros pode ser tão difícil, um programa como o Viagem Literária tem de ser muito exaltado. Ele permite que os leitores conheçam novas vozes, favorece à difusão da literatura e incentiva o hábito de leitura em diversos espaços do país, começando pelas escolas, o que é essencial. Veja a lista de autores desse ano, que coisa linda: múltipla, com escritores e escritoras de diversos cantos do Brasil, de vários estilos, com os mais distintos públicos. É realmente encantador. Na sua opinião, qual é o papel das premiações literárias na carreira de um escritor? Elas são determinantes para a visibilidade e sucesso na indústria editorial?Marcela: Não diria que as premiações são determinantes, já que vários autores conseguem trilhar um caminho sólido e profícuo sem nunca terem sido premiados. Entretanto, não há dúvidas de que figurar nas listas de finalistas ou ser consagrado com um prêmio literário é um momento muito importante na carreira. As listas e prêmios ainda pautam a leitura de uma grande camada da população, abrem portas para maior espaço na imprensa, despertam o interesse de grandes editoras, enfim, permitem, sem dúvida, que um autor tenha mais alcance em um mercado que é extremamente competitivo. As premiações literárias ainda têm um papel relevante em tempos de redes sociais e marketing digital, ou você vê outros caminhos tão importantes quanto? No meu entendimento, mesmo nos tempos atuais, as premiações literárias têm seu espaço e seu papel. Talvez, as redes sociais e marketing digital sejam capazes de potencializar os resultados e o alcance. De toda forma, claro, é possível traçar um caminho sólido e conquistar um público de leitores sem figurar nas listas ou ter uma presença marcante nas redes – são muitos casos e histórias diferentes e fascinantes. Após ganhar prêmios literários, o que mudou em sua vida pessoal e profissional? Houve mais oportunidades de publicação, convites para eventos literários, ou outros tipos de reconhecimento?Marcela: Ser finalista dos prêmios Oceanos, Jabuti e São Paulo sem dúvidas foi fundamental para a minha carreira, me trouxe mais leitores e, claro, oportunidades incríveis, como essa Viagem Literária. Além do reconhecimento profissional, quais foram os desafios ou novas responsabilidades que surgiram com os prêmios? Marcela: Os prêmios são sempre um recorte: muita coisa incrível entra nas listas de finalistas, mas, também, muita coisa igualmente boa fica de fora. Eu acho que o maior desafio de um autor indicado ou premiado é nunca se acomodar, seguir buscando a excelência e continuar trabalhando para ir cada vez mais longe.    
Davi Boaventura comenta a importância dos prêmios literários e lembra:

Davi Boaventura comenta a importância dos prêmios literários e lembra: "é preciso ter cuidado, não dá pra alimentar a vaidade"

Davi Boaventura é um autor com uma trajetória marcada por reflexões sobre a literatura e sua interseção com outras formas de expressão, como a fotografia. Ele publicou livros como "Mônica vai jantar", que foi adaptado para o teatro e concorreu ao Prêmio São Paulo de Literatura, e vê o reconhecimento em premiações como como uma importante plataforma para divulgar obras que fogem dos circuitos mais comerciais, permitindo que escritores alcancem públicos mais amplos. “O Prêmio São Paulo trouxe camadas diferentes para a recepção do livro, uma certa atenção aos detalhes do texto e uma quantidade maior de resenhas e retornos, que mexeram bastante com minha própria relação com a literatura.”, disse Boaventura.Nesta entrevista, o escritor, tradutor e fotógrafo, que percorreu entre os dias 1 e 4 de outubro bibliotecas municipais das cidades de Cananéia, Itanhaém, Cubatão e São Bernardo do Campo, durante a 16ª edição do programa Viagem Literária:  módulo Encontros com Escritores - Prêmio São Paulo de Literatura – fala também sobre as principais influências em sua formação como escritor e ainda dá dicas aos aspirantes a escritores sobre o hábito da leitura: “Conhecimento acumulado não tem muita serventia se você não sabe ligar os pontos. Prefiro ler alguém que, com dez livros, faz uma pizza maravilhosa do que quem transforma duas bibliotecas em uma gororoba”, destacou.Sobre a relação entre fotografia e escrita criativa, Boaventura explora essa intersecção em sua própria prática. Ele acredita que experiências visuais, incluindo a fotografia, moldam e influenciam a maneira como escritores constroem narrativas​. Confira abaixo a entrevista na íntegra! Prêmios literários costumam ser marcos importantes na trajetória de escritores. Em sua opinião, como esses prêmios podem impactar a carreira de um autor, tanto em termos de visibilidade quanto de reconhecimento artístico?Davi: Olha, um dado que sempre me impressiona é saber que, todo ano, a publicação de novos livros no Brasil ultrapassa a casa das dezenas de milhares, isso sem contar muitas das produções artesanais, zines e plaquetes, títulos que muitas vezes sequer têm ISBN ou registro formal. Então, em um mercado tão saturado, às vezes é bem difícil encontrar um público que de fato leia seu livro. A pessoa precisa saber que seu livro existe, precisa escolher comprar seu livro ao invés de comprar o best-seller da semana, precisa querer leu seu livro ao invés de pegar um outro na pilha dos não lidos. Então concordo muito quando dizem que a chancela de um prêmio funciona como um filtro muito poderoso. É verdade, joga um holofote sobre sua literatura, uma luz que, talvez, de outra forma, você não tenha tanto acesso, e isso ajuda muito para que as pessoas conheçam seu trabalho. Aí de repente você descobre que um casal de Belém está lendo seu livro, que uma turma de escritores de Porto Alegre está estudando seu estilo, que uma amiga sua de Maceió adorou determinado trecho e fez uma performance com ele nas redes sociais, que um grupo de mulheres de Jundiaí resolveu adaptar seu livro para o palco, é esse tipo de conexão que faz a literatura valer a pena. Porque, se uma parte do processo é solitário, você com o texto dentro da sua cabeça, não acontece nada sem a outra ponta, sem as pessoas com o livro na mão. Não acho que o texto seja um fim em si mesmo. Acho que o texto é o começo de uma conversa. É uma obra aberta.No cenário literário atual, você acredita que os prêmios ainda são fundamentais para legitimar a qualidade de uma obra ou autor, ou existem outras formas tão importantes de se destacar?Davi: O mundo mudou muito, não tem como negar esse fato. E, com a onipresença da internet e dos algoritmos, os caminhos se diversificaram, estamos vivendo entre várias comunidades esparsas e que nem sempre conversam umas com as outras. Às vezes você escuta o nome de uma pessoa pela primeira vez e, quando vai ver, essa pessoa tem oito milhões de seguidores no Instagram. Como várias outras pessoas já disseram, acredito que a grande questão hoje é descobrir como não se perder no meio da multidão, é entender quais são os pontos de referência confiáveis, quem são os novos “porteiros” ─ os gatekeepers - sobre os quais o jornalismo fala há, sei lá, mais de cem anos ─, separar o que é barulho e o que não é. Por isso acho que, nesse sentido, por mais que os prêmios sejam também reflexos de um grupo de jurados, e sejam influenciados por diversos aspectos culturais, não dá para ignorar que eles ainda têm um peso bem importante no reconhecimento de um livro. A curadoria hoje, do ponto de vista relativo, tem até mais importância do que antes. Quais prêmios ou reconhecimentos literários você considera mais marcantes em sua própria carreira? E como essas conquistas influenciaram sua trajetória como escritor?Davi: A indicação ao Prêmio São Paulo de Literatura, com certeza, foi o mais marcante, pelo tamanho do prêmio, pela importância nacional, por ter levado o livro para alguns lugares que ele não teria como chegar sem esse reconhecimento, mas também pelo momento em que aconteceu, no final de 2020, auge da pandemia, eu e minha ex-companheira trancados em um apartamento em Curitiba, foi uma coisa que mexeu muito com meu emocional. Talvez tenha sido um dos momentos que mais me fez entender o que é ser um escritor, o que é “trabalhar com literatura”, e não ter somente uma aproximação diletante com a escrita. Claro, os prêmios gaúchos para  “Mônica vai jantar” também foram bem importantes, pelo peso simbólico de me sentir aceito por aquela comunidade ─ porque, afinal, sou um escritor de Salvador que morou seis anos em Porto Alegre e mais cinco anos em Curitiba - e publico por uma editora gaúcha independente ─, e esse sentimento foi muito forte, mas o São Paulo trouxe camadas diferentes para a recepção do livro (, uma certa atenção aos detalhes do texto e uma quantidade maior de resenhas e retornos, que mexeram bastante com minha própria relação com a literatura. Ao mesmo tempo, esse movimento te mostra também como é preciso ter cuidado, como não dá pra alimentar a vaidade, a vida continua igual. É trabalho. Sentar e tentar escrever o melhor que você pode, dentro das suas condições, fazendo o máximo para não se enganar.Como a leitura de diferentes gêneros e autores influenciou sua prática escrita? Você acredita que a leitura é uma das ferramentas mais poderosas para aperfeiçoar a escrita de um autor?Davi: Bom, eu cresci em uma cidade turística, acostumada a receber gente dos mais diferentes estados e países, e gosto muito da ideia de que você pode encontrar inspirações artísticas até nas fontes mais inesperadas, então, para mim, acho que a mistura é essencial. O resultado pode até ser um texto, mas a origem desse texto parte de um grande caos criativo e entra um pouco de tudo: filme, música, pinturas, outros livros, uma conversa, uma aula de pilates. Um dos exercícios que mais gostei de fazer, por exemplo, e que, se tudo der certo, deve virar um livro infantil em breve, é tentar traduzir uma cor em palavras. A leitura, com isso, em uma chave mais ampla, precisa operar junto com o pensamento crítico, com o olhar atento, com o cuidado de buscar os estímulos variados e transformar tudo aquilo em algo que faça sentido para você e para seu trabalho. Até porque quem escreve não escreve isolado do resto da sociedade, escrever é sempre um ato ético de se estar no mundo. Quais foram as leituras mais impactantes em sua formação como escritor, e de que maneira elas moldaram seu estilo ou abordagem literária?Davi: Não acho que eu seja um escritor formado, acho que, em cada época, a gente se torna um escritor diferente, com formações diferentes, com perspectivas que podem ser muito distintas das perspectivas que tínhamos alguns anos atrás, principalmente porque um livro não se escreve em um dia, às vezes a gente leva anos com o mesmo texto e vai amadurecendo junto com ele. Quando lancei meu primeiro livro, ainda em 2012, minha principal influência talvez tenha sido “O apanhador no campo de centeio”, de J.D. Salinger. Mas, para o “Mônica vai jantar”, por exemplo, o estilo de Raduan Nassar em “Um copo de cólera” foi importantíssimo para eu descobrir meu próprio estilo de escrita. De uns anos pra cá, a escritora britânica, de origem nigeriana, Bernardine Evaristo, tem sido uma figura que volta e meia me aparece no pensamento. James Baldwin é outro que tem andado bem perto. O último livro de Julia Dantas, por exemplo, me fez pensar sobre a possibilidade de humor mesmo no meio da tragédia. Você pega um pouco de cada pessoa e tenta criar um todo coeso. Para mim, inclusive, a questão sempre parte do seguinte princípio: como escrever algo que é seu, mas, ao mesmo tempo, não é apenas uma mera repetição do que você já fez?Que conselhos você daria para aspirantes a escritores sobre o hábito da leitura? Existem práticas que você considera essenciais para uma leitura que contribua significativamente para o desenvolvimento da escrita?Davi: Um arquiteto e artista plástico mineiro que mora em Curitiba e foi uma das pessoas mais interessantes que conheci nos últimos anos uma vez me disse o seguinte: é só fazer as contas, se você ler três páginas por dia, no final de um ano você já vai ter lido mais de mil páginas. Então acho que uma das primeiras coisas que a gente precisa desmistificar é que, para ler, a pessoa precisa passar horas parada com o livro na mão. Você lê quantas páginas quiser, pelo tempo que quiser ─ assim como também é preciso ter em mente que ninguém é obrigado a ler dois mil livros para começar a escrever, nem ficar na briga entre ter que ler os clássicos ou acompanhar a produção contemporânea, ou só botar no papel depois de estudar profundamente todos os detalhes da história. O importante, na minha opinião, é aprender a construir associações, estabelecer conexões consistentes e interessantes, até imprevisíveis. Conhecimento acumulado não tem muita serventia se você não sabe ligar os pontos. Prefiro ler alguém que, com dez livros, faz uma pizza maravilhosa do que quem transforma duas bibliotecas em uma gororoba. Você pode nos contar um pouco sobre sua trajetória profissional como escritor? Houve momentos específicos que marcaram uma virada em sua carreira?Davi: Sempre acho meio engraçado pensar em termos de carreira literária porque uma coisa que precisa melhorar muito no mercado literário brasileiro é justamente o profissionalismo. Fora algumas boas exceções, existem ainda muitas empresas amadoras no meio e algumas editoras não podem nem ser chamadas de editoras, são apenas gráficas mesmo. Você, enquanto profissional da área, é obrigado a se virar nos trinta, e às vezes nem sobra tempo ou ânimo para aquilo que é o que você gosta mesmo de fazer, que é escrever. Mas consigo pensar em dois momentos bem significativos na minha trajetória, dois pontos de virada. O primeiro, em 2013, foi quando me mudei para Porto Alegre para fazer o mestrado em Escrita Criativa da PUCRS, porque tive contato na sala de aula com muita gente muito qualificada e isso me trouxe não só outra visão de mundo e da literatura como também um novo padrão de exigência ─ não dava para escrever qualquer coisa e mostrar pra aquelas pessoas, eu precisava me esforçar ─, sem falar no choque cultural que foi sair da Bahia e me abrigar no Rio Grande do Sul. Foram seis anos em Porto Alegre e não tenho dúvidas de que não saí a mesma pessoa de quando cheguei. O segundo momento aconteceu a partir de 2021, quando comecei uma transição para o mundo da tradução e por lá fiquei, trabalhando em mais de duas mil páginas em um período bem curto. Com a tradução, não sei, parece que você acessa outra dimensão da literatura, você conhece as entranhas do texto, aprende como ele funciona e como faz o que ele faz. Não tem como passar ileso por essa experiência.Sabemos que além de escritor, você tem uma relação forte com a fotografia. Em suas experiências com fotografia, há algo que você aprendeu ou desenvolveu que foi fundamental também para a sua prática de escrita?Davi: Fotografia é sem dúvida uma das coisas que mais amo no mundo. Quando era adolescente, minha mãe me deu uma câmera básica, mas, como eu não sabia bem o funcionamento da máquina, acabava cortando várias cabeças nas fotos e meus amigos da época me tripudiavam bastante. Comecei a fotografar mais a sério na faculdade, no laboratório de fotografia da UFBA, e queria me profissionalizar na área. Mas fiquei com medo. Olhava pras fotos de um amigo meu e pensava: “Caramba, nunca vou conseguir fotografar desse jeito”. Mas, depois, me dei conta de que talvez pudesse fazer no texto o que ele fazia na imagem, e aí me voltei pra escrita e comecei a desenvolver meu estilo, mais “agitado”, por assim dizer. Alguns anos mais tarde, a paixão voltou. E tanto o “Mônica” quanto o livro que estou escrevendo agora começaram a surgir a partir de uma fotografia, uma foto que eu olho e penso: “quero traduzir essa imagem em um texto”. É uma tradução bastante livre, claro. Começa em uma coisa e vai terminar em outra. Mas a imagem acaba sendo uma baliza muito forte. Outra coisa que me encanta muito na fotografia é o acaso, o imediatismo do inesperado, a imprevisibilidade. Talvez por isso eu não costume fazer planejamentos e esquemas muito rígidos para um livro. Tenho uma ideia geral, defino alguns pontos importantes e vou escrevendo. Se decidir mudar na hora, se o inconsciente trouxer alguma ideia diferente, tá tudo bem, só vou e lá na frente decido o que fazer com as curvas. Pode ser meio trabalhoso, porque você precisa voltar pro início do texto para ajeitar algumas pontas soltas, mas acho que ter essa liberdade é essencial para não transformar a criação em uma produção mecânica. O pior que pode acontecer hoje, na minha opinião, é entregar para as pessoas uma literatura chat-gpt, sem tempero nenhum.Continue acompanhando a programação completa de Encontros com Escritores - Prêmio São Paulo de Literatura por aqui! Foto: Davi Boaventura (crédito: Flor Reis)
“Escrever é aprender até o fim da vida, este é o grande desafio”, diz Ignácio de Loyola Brandão

“Escrever é aprender até o fim da vida, este é o grande desafio”, diz Ignácio de Loyola Brandão

Presente em várias edições do Viagem Literária, o renomado escritor brasileiro, Ignácio de Loyola Brandão, marca sua presença mais uma vez na jornada de 2024, dando a largada na última etapa do programa – o módulo Encontros com Escritores: Prêmio São Paulo de Literatura -, que ao aproximar os escritores de seus públicos, vai resgatar a memória desse prêmio tão reconhecido internacionalmente e mais de uma década de protagonismo no cenário da Literatura Brasileira. Entre os dias 1 e 3 de outubro, o autor circula, pelas bibliotecas municipais das cidades de Presidente Venceslau (1/10), Rosana (2/10) e Narandiba (3/10). Nesta entrevista, o jornalista e escritor expressa uma visão muito positiva sobre programas de incentivo à leitura, como o Viagem Literária: “O ineditismo da Viagem é levar a recantos os mais distantes, longe das capitais, escritores profissionais, com carreira consolidada e dispostos a repartir experiências, mostrar problemas, desmistificar ilusões, contando como é o ofício na realidade”, acredita o autor. Ele também apresenta sua postura crítica e reflexiva em relação à literatura, prêmios literários e o incentivo à leitura no Brasil. Para Brandão, os prêmios não devem ser o objetivo principal de um escritor, sendo que o mais importante mesmo é o foco no compromisso com a qualidade do que se escreve, não necessariamente na busca de reconhecimento por meio de premiações. Inácio de Loyola Brandão também costuma aconselhar novos escritores a perseverarem e serem persistentes, e destaca que escrever é um ofício que exige prática, disciplina e dedicação.Confira a entrevista! Como o senhor vê o impacto dos programas de incentivo à leitura, como a Viagem Literária, para a formação de novos leitores e escritores?Ignácio: O ineditismo da Viagem é levar a recantos os mais distantes, longe das capitais, escritores profissionais, com carreira consolidada e dispostos a repartir experiências, mostrar problemas, desmistificar ilusões, contando como é o ofício na realidade. Ser escritor é um mito. Que se alcança com luta, trabalho, esforço e prazer. Nós procuramos mostrar dificuldades, realidades, com dicas, alguma orientação. Por exemplo: se você não sabe a sua língua, não sabe escrever ou não está disposto a aprender, a se sacrificar, desista. Escrever é trabalho árduo, ainda que cheio de prazer.   Na sua opinião, de que maneiras os prêmios literários influenciam a trajetória de um escritor, tanto no início quanto nas fases mais consolidadas da carreira?Ignácio: Prêmios são incentivos, empurrões, uma alavanca para você se dedicar ao trabalho. Mas de nada adianta você se sentar e dizer: escrevo para ganhar um prêmio. O que você deve pensar ao sentar-se é: quero escrever a melhor história do mundo, do meu jeitoOs prêmios literários são essenciais para o reconhecimento de um autor no Brasil? Como eles moldaram sua própria carreira? E que conselho você daria para alguém que está começando a escrever e deseja construir uma carreira literária?Ignácio: Moldar não molda. O prêmio. No máximo te dá animo para lutar e continuar.  O que constrói uma carreira é o sentar e escrever, o procurar assunto, conhecer o país, o saber criar. E escrever, ler muito, ler tudo de bom que aparece, ler sobre o Brasil, nossos problemas. Perguntar. O escritor pergunta o tempo inteiro o que é, o que está acontecendo, o que ele está vendo. O escritor precisa tentar explicar o mundo. Portanto é fundamental mergulhar na vida. O prêmio te dá, por um tempo rápido, publicidade, você se torna conhecido, portas podem se abrir. E também um dinheirinho. Ao escrever, foque na sua história e digite, encha o papel com seus personagens. Prêmio nos estimula, mas é passageiro. E difícil de ganhar, a concorrência é grande. É loteria.Além do reconhecimento, que outros efeitos uma premiação literária pode trazer para a vida de um escritor?Ignácio: Felicidade, prazer, ser reconhecido, ver seu nome circulando, apontam para você, te chamam para dar entrevistas, infla o ego, você se acha o máximo. Mas tudo isso pode também acabar. Tem curta decoração. Vai ter de se habituar a uma gangorra. Mas até é divertidoComo equilibrar o desejo de criar algo original com as influências inevitáveis ​​de outros autores e referências literárias?Ai a porca torce o rabo. Você pode gostar muito de um escritor, e gostaria de escrever como ele. Não tem como. Ou tentando escrever igual, você descobre a sua própria forma de escrever. A escrita vem lenta para dentro de nós, desde que você, escreva, escreva, escreva, escreva. Você pode, ao ler, descobrir as manhas, o estilo, as maneiras como certo autor que você adora, escreve.Este é o momento mais interessante da escrita: o do aprendizado, do mergulhar no sabe fazer, no descobrir seu estilo, no ter coragem de escrever e rasgar, e recomeçar. Aos 88 anos, depois de ter escrito 59 livros e começando mais um romance, percebo certas armadilhas e modos de ser. Escrever é aprender até o fim da vida, e este é o grande desafio, o que nos leva para a frente. Já teve dias que, no final, descobri que escrevi uma única bela frase, boa verdadeira, profunda, atraente, leve. E ela valeu a pena o tempo que você gastou. E você fica feliz. Aquilo é o que você tinha tentado escrever desde que começou. Escrever é delirar a cada instante.Ignácio de Loyola BrandãoJornalista e escritor, Bandão passou pelas redações dos periódicos brasileiros Claudia, Última Hora, Realidade, Planeta, Ciência e Vida e Vogue, e do francês Lui. Atualmente é colunista do jornal O Estado de S.Paulo. Tem 45 livros publicados, entre romances, contos, crônicas, relatos de viagens e literatura infantil, com tradução para diversos idiomas. Com O menino que vendia palavras (Companhia das Letrinhas) ganhou o Prêmio Jabuti. Recebeu da Academia Brasileira de Letras o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto de sua obra e foi eleito por unanimidade para ocupar a cadeira 11, que pertencia a Helio Jaguaribe. Desta terra nada vai sobrar, a não ser o vento que sopra sobre ela (Global) foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura.Confira neste link a programação completa do – o módulo Encontros com Escritores: Prêmio São Paulo de Literatura e continue a nos acompanhar por aqui!