Vida social é ingrediente da literatura contemporânea - Viagem Literária

Vida social é ingrediente da literatura contemporânea

O que significa contemporâneo? Com essa indagação a escritora e socióloga Wlange Keindé começou a oficina Escrita criativa no Brasil contemporâneo: tempo, voz narrativa e as fronteiras da literatura. As aulas virtuais foram realizadas nas bibliotecas de Guaiçara, Lins, Pompéia e Marília, entre os dias 18 e 21 de julho. Utilizando como suporte o conto A gente combinamos de não morrer, presente no livro Olhos d’água, de Conceição Evaristo, Wlange fez uma exposição teórica sobre os elementos da literatura de gênero narrativo e trouxe algumas tendências da literatura no Brasil Contemporâneo.

 

Para ela, o tempo na narrativa é fundamental dentro de uma obra. “O escritor precisa compreender o comportamento social da época em que a história está sendo contada, levando em consideração também o viés dos leitores sobre o mesmo recorte temporal”, alerta. Além disso, cabe ao autor estabelecer o ritmo da narrativa. “Você pode contar uma história de uma forma extremamente rápida, como José preparou um drinque para a sua esposa, ela provou e gostou, ou dar um outro compasso para a cena, ao incluir vários elementos, como a ocasião que o casal está celebrando, as etapas da preparação da bebida, a sensação dela ao dar o primeiro gole.” Outros marcos temporais relevantes são os diálogos travados entre os personagens e as falas do narrador.  

 

Os tópicos acima compõem qualquer produção literária, porém o tom da contemporaneidade está justamente no contexto social. Começando pela representação de grupos marginalizados ou subrepresentados na literatura e a forma como são expostos. “Temos a perspectiva exótica, em que as pessoas são apresentadas de maneira estigmatizada ou satírica, como o favelado, o bandido, a prostituta. A perspectiva crítica, que mostra a vivência real dos grupos marginalizados e a perspectiva de dentro feita por autores que pertencem ao grupo social excluído”, explica Wlange.

 

Renegada anteriormente, a literatura contemporânea vem ganhando papel de destaque no meio literário, com maior quantidade de autores do gênero, mais leitores, mais editoras e mais premiações. Mesmo diante de um movimento promissor, a escritora questiona algumas discussões sobre o tema, como o fato dessas obras por vezes não serem consideradas pelos críticos como literatura e sim como relatos e se realmente há espaço para todas as vozes marginalizadas.

 

Para exemplificar o estilo da literatura contemporânea, Wlange leu para os participantes o conto da Conceição Evaristo e expôs alguns pontos a serem observados, como a relação dos personagens com o tempo, as interrupções na narrativa, a presença de múltiplas vozes, a mistura de linguagem cotidiana e poética, as ações rápidas e os pensamentos lentos, a mistura de primeira e terceira pessoa e as vozes marginalizadas. Para terminar lançou outro questionamento. “Um texto como o da Conceição Evaristo seria literatura em outra época?”.

 

Wlange keindé é mestre em Teoria da Literatura e em Literatura Comparada, criadora do Ficçomos, o maior canal de escrita criativa do YouTube Brasil, autora de A criação do escritor e coautora de Você por aqui?.

 

 

 

 

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Fique por dentro de tudo o que acontece nos três módulos do Viagem Literária!

Até breve!

Até breve!

A edição de 2023 do programa Viagem Literária terminou após quatro meses de intensa programação. A caminhada foi longa: mais de 17 mil quilômetros percorridos, passando por 72 bibliotecas de 71 cidades do Estado de São Paulo. Ao todo, foram realizadas 360 ações presenciais e online para um público de cerca de 16 mil pessoas. O ponto alto do projeto foi a participação de 18 grupos/contadores de histórias e 36 escritores, que compartilharam seus talentos e vivências literárias. Neste ano, o programa foi estruturado em três módulos, cada um oferecendo uma experiência única para os participantes. O primeiro abraçou a escrita criativa, com destaque para o ambiente de aprendizagem colaborativo, onde era possível compartilhar ideias, receber feedback dos autores e aprender novas técnicas e estilos. Foram 72 encontros virtuais, com 1.134 participantes, promovidos por um elenco de peso: Bruna Beber, Bruno Ribeiro, Edson Krenak, Flávio Cafieiro, Helo D’Angelo, Ilustralu, Márcio Vassallo, Michel Yakini-Iman, Neide Almeida, Plínio Camillo, Rafael Gallo, Reginaldo Pujol Filho, Roberto Ferreira, Sacolinha, Socorro Acioli, Stephanie Borges, Vanessa Passos e Wlange Keindé. O segundo módulo foi dedicado à contação de histórias, onde os profissionais convidados encantaram a plateia com brincadeiras, música e narrativas envolventes, despertando a imaginação e a paixão pela leitura. Foram 144 apresentações presenciais, dirigidas a mais de 12 mil pessoas, realizadas por um seleto time, composto por Ademir Apparício, Badaiá Arte, Camila Genaro, Cia. Bisclof, Cia. Koi, Cia. Malas Portam, Cia. Mapinguary, Cia. Pé do Ouvido, Cleber Fabiano, Cristino Wapichana, Drika Nunes, Ih, Contei!, Ivani Magalhães, Jô Jorvino, Mandingueiras da Pracinha, Mari Bigio, Sandra Guzmán & Cia. Rabo de Cutia e Tricotando Palavras. O terceiro módulo, Oficinas e Encontros com Escritores, permitiu um contato direto do público com grandes autores, como Aline Valek, André Dahmer, Cláudia Lemes, Estevão Azevedo, Fábio Kabral, Felipe Castilho, Ignácio de Loyola Brandão, Ilan Brenman, Joselia Aguiar, Julie Dorrico, Lúcia Hiratsuka, Luciene Vignoli Müller, Luiza Romão, Michel Yakini-Iman, Monique Malcher, Nina Rizzi, Rita Carelli e Sergio Rodrigues. As aulas e bate-papos presenciais sobre os processos e bastidores da criação literária resultaram em momentos de aproximidade e interação entre os autores e leitores e contaram com a presença de 3.445 pessoas. Ao longo de toda programação, o Viagem Literária celebrou não apenas a literatura brasileira contemporânea, dando luz a obras de vários escritores, mas também fortaleceu a importância das bibliotecas como espaços de encontro, aprendizado e diversidade cultural, deixando como legado a formação de novos leitores e escritores. O Viagem Literária é um programa do Governo do Estado de São Paulo, realizado por meio do SisEB (Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas), gerenciado pela SP Leituras – Associação Paulista de Bibliotecas e Leitura. Desde a sua criação em 2008, o programa já percorreu 235 municípios paulistas com mais de 3.600 ações. Contou com a participação de cerca de 300 grupos de contadores de histórias e escritores, e um público de mais de 381 mil pessoas.      
Memórias em cena

Memórias em cena

Fugir do lugar-comum e repensar as cenas do cotidiano com um olhar poético. Essa foi a proposta oficina de escrita criativa “Memórias em cena” da escritora, poeta, educadora e gestora cultural Neide Almeida, para a 16ª edição do programa Viagem Literária. Os encontros virtuais foram realizados de 27 a 30 de novembro, nas bibliotecas das cidades de Jundiaí, Várzea Paulista, Pirapora do Bom Jesus e São Paulo. A primeira atividade da turma foi descrever uma cena vivida ou simplesmente testemunhada. “A partir do conceito ‘escrevivência’, cunhado por Conceição Evaristo, a proposta é registrar por meio da escrita uma cena que tenha afetado os participantes para além de suas vivências individuais”, descreve Neide. O exercício consistia em narrar um acontecimento presenciado pelos participantes, mas com um olhar poético. “Ao usar uma outra lente para enxergar fatos corriqueiros conseguimos ver além do óbvio, isso é o que chamamos de memória poética.” A parte prática do encontro ficou por conta inicialmente da criação de uma legenda para a cena escolhida e posteriormente o desenvolvimento de uma pequena parte de uma história a partir do fragmento escolhido. Como inspiração para o grupo, a autora trouxe trechos de textos de memórias poéticas de autores como Carolina Maria de Jesus, Alberto da Costa e Silva, Zainne Lima da Silva, Ricardo Aleixo e da própria autora.   Neide Almeida é socióloga e especialista em Gestão Cultural e mestra em Linguística. Publicou o livro Nós: 20 poemas e uma Oferenda e tem publicado poemas e crônicas em revistas e antologias. Realiza cursos e eventos pela Fio.de.Contas Produções Culturais.  
Vozes da periferia

Vozes da periferia

O escritor Michel Yakini-Iman levou as vozes e a poesia da periferia de São Paulo para passear pelo interior do estado. Entre os dias 7 de 10 de novembro, o também produtor cultural realizou a oficina virtual “Literatura e oralidade nas periferias de São Paulo” para os públicos das bibliotecas de Limeira, Piracicaba, Santa Bárbara d’Oeste e Itatiba. O objetivo era fazer uma ponte entre a produção de quem escreve na capital com a produção de textos em circulação nas cidades menores. Durante os encontros, Michel apresentou poemas de sua autoria e textos em prosa e poesia de outros escritores. “Também fizemos alguns exercícios de poesia falada e de declamação de textos, exatamente como acontece nos saraus.” O escritor destacou que a evolução da produção literária da periferia de São Paulo vem acontecendo desde o início dos anos 2000 e tem constribuído na formação de novos leitores, no movimento da poesia falada e também no sistema de publicação de selos editoriais. “Esse movimento vem ampliando as vozes e diversificando a literatura brasileira, algo muito importante não apenas para São Paulo, mas para todo o país.” Entre as obras usadas na oficina estão Contos de Yõnu, de Raquel Almeida; Maria Pepe Pueblo/Maria do Povo, de Dinha; Muzimba, na humildade sem maldade, de Akins Kintê; Notas sobre a fome, de Helena Silvestre, entre outros. Michel Yakini-Iman é autor de Futebol não é coisa de menino, Na medula do verbo, Acorde um verso, Crônicas de um peladeiro e do romance Amanhã quero ser vento. Promove palestras e cursos de escrita criativa e é um dos idealizadores do Sarau Elo da Corrente.