Escrevo porque reparo - Viagem Literária

Escrevo porque reparo

Lucia Moretzsohn

A leveza com que Márcio Vassallo encara as palavras encantou o público presente na oficina Infância, Manoel de Barros e escrita, realizada nas bibliotecas das cidades de Ilhabela, São Sebastião, Biritiba Mirim e Suzano, entre os dias 4 e 7 de julho. Trazendo como pano de fundo a delicadeza dos poemas cheios de troças de Manoel de Barros, o escritor mostrou a importância do olhar atento e infantil para as coisas do cotidiano como instrumento de inspiração para a produção textual. “Escrevo porque reparo, gosto de ouvir a lasca da conversa alheia para imaginar o final. A falta de ciência nutre a imaginação, eu não sei, por isso, imagino”, ensina. A técnica rendeu várias histórias engraçadas contadas ao longo da oficina e muitas dicas para ter uma escrita mais inventiva.

 

Mas não basta ouvir e ver o mundo. O ponto de virada está em praticar o exercício com a pureza do olhar de uma criança, sem as críticas e os preconceitos da vida adulta. “A palavra infância vem do latim Infantia, que significa incapacidade de falar”, explica Vassallo. Ou seja, falar menos, ouvir e ver mais. Outra dica é saber deixar alguns vazios ao longo do texto. Os famosos respiros ou silêncios. “Se eu explico demais bato a porta na cara do leitor”, diz. A ideia é inserir espaços para a imaginação do leitor fluir, mostrar mais do que informar.

 

Para exemplificar como a dica funciona na prática, o escritor mostrou por meio de um exercício como é possível cortar os excessos de explicações de um texto para deixar a narrativa mais fluida e atrativa. E para ajudar na inspiração, Vassallo apresentou o vídeo espanhol As cores das flores, que conta como Diego, uma criança cega desde o nascimento, enfrenta o desafio de escrever uma redação escolar sobre algo que nunca tinha visto: as cores das flores. Quem desejar um olhar mais aprofundado sobre a produção de Manoel de Barros, o autor indica o documentário Só dez por cento é mentira, de Pedro Cezar.

 

Também recomendou alguns livros para leitura, como Tremores: escritos sobre experiência, de Jorge Larrosa; 40 novelas de Luigi Pirandello, com seleção e tradução de Maurício Santana Dias; e as crônicas O amor Acaba, de Paulo Mendes Campos. O encontro terminou com a leitura do livro De filho para pai, do próprio escritor, que mostra a relação cotidiana dos dois personagens em meio a brincadeiras, traquinagens, briguinhas e invencionices.

 

 

O jornalista e escritor Márcio Vassallo é autor da biografia Mario Quintana e de vários títulos infantis, como A fada afilhada (Abacatte, 2011), Valentina (Global, 2017) e o Menino da chuva no cabelo (Global, 2005), selecionado para o catálogo The White Ravens 2006, da Biblioteca Internacional da Juventude de Munique, na Alemanha.

 

 

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Fique por dentro de tudo o que acontece nos três módulos do Viagem Literária!

Até breve!

Até breve!

A edição de 2023 do programa Viagem Literária terminou após quatro meses de intensa programação. A caminhada foi longa: mais de 17 mil quilômetros percorridos, passando por 72 bibliotecas de 71 cidades do Estado de São Paulo. Ao todo, foram realizadas 360 ações presenciais e online para um público de cerca de 16 mil pessoas. O ponto alto do projeto foi a participação de 18 grupos/contadores de histórias e 36 escritores, que compartilharam seus talentos e vivências literárias. Neste ano, o programa foi estruturado em três módulos, cada um oferecendo uma experiência única para os participantes. O primeiro abraçou a escrita criativa, com destaque para o ambiente de aprendizagem colaborativo, onde era possível compartilhar ideias, receber feedback dos autores e aprender novas técnicas e estilos. Foram 72 encontros virtuais, com 1.134 participantes, promovidos por um elenco de peso: Bruna Beber, Bruno Ribeiro, Edson Krenak, Flávio Cafieiro, Helo D’Angelo, Ilustralu, Márcio Vassallo, Michel Yakini-Iman, Neide Almeida, Plínio Camillo, Rafael Gallo, Reginaldo Pujol Filho, Roberto Ferreira, Sacolinha, Socorro Acioli, Stephanie Borges, Vanessa Passos e Wlange Keindé. O segundo módulo foi dedicado à contação de histórias, onde os profissionais convidados encantaram a plateia com brincadeiras, música e narrativas envolventes, despertando a imaginação e a paixão pela leitura. Foram 144 apresentações presenciais, dirigidas a mais de 12 mil pessoas, realizadas por um seleto time, composto por Ademir Apparício, Badaiá Arte, Camila Genaro, Cia. Bisclof, Cia. Koi, Cia. Malas Portam, Cia. Mapinguary, Cia. Pé do Ouvido, Cleber Fabiano, Cristino Wapichana, Drika Nunes, Ih, Contei!, Ivani Magalhães, Jô Jorvino, Mandingueiras da Pracinha, Mari Bigio, Sandra Guzmán & Cia. Rabo de Cutia e Tricotando Palavras. O terceiro módulo, Oficinas e Encontros com Escritores, permitiu um contato direto do público com grandes autores, como Aline Valek, André Dahmer, Cláudia Lemes, Estevão Azevedo, Fábio Kabral, Felipe Castilho, Ignácio de Loyola Brandão, Ilan Brenman, Joselia Aguiar, Julie Dorrico, Lúcia Hiratsuka, Luciene Vignoli Müller, Luiza Romão, Michel Yakini-Iman, Monique Malcher, Nina Rizzi, Rita Carelli e Sergio Rodrigues. As aulas e bate-papos presenciais sobre os processos e bastidores da criação literária resultaram em momentos de aproximidade e interação entre os autores e leitores e contaram com a presença de 3.445 pessoas. Ao longo de toda programação, o Viagem Literária celebrou não apenas a literatura brasileira contemporânea, dando luz a obras de vários escritores, mas também fortaleceu a importância das bibliotecas como espaços de encontro, aprendizado e diversidade cultural, deixando como legado a formação de novos leitores e escritores. O Viagem Literária é um programa do Governo do Estado de São Paulo, realizado por meio do SisEB (Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas), gerenciado pela SP Leituras – Associação Paulista de Bibliotecas e Leitura. Desde a sua criação em 2008, o programa já percorreu 235 municípios paulistas com mais de 3.600 ações. Contou com a participação de cerca de 300 grupos de contadores de histórias e escritores, e um público de mais de 381 mil pessoas.      
Memórias em cena

Memórias em cena

Fugir do lugar-comum e repensar as cenas do cotidiano com um olhar poético. Essa foi a proposta oficina de escrita criativa “Memórias em cena” da escritora, poeta, educadora e gestora cultural Neide Almeida, para a 16ª edição do programa Viagem Literária. Os encontros virtuais foram realizados de 27 a 30 de novembro, nas bibliotecas das cidades de Jundiaí, Várzea Paulista, Pirapora do Bom Jesus e São Paulo. A primeira atividade da turma foi descrever uma cena vivida ou simplesmente testemunhada. “A partir do conceito ‘escrevivência’, cunhado por Conceição Evaristo, a proposta é registrar por meio da escrita uma cena que tenha afetado os participantes para além de suas vivências individuais”, descreve Neide. O exercício consistia em narrar um acontecimento presenciado pelos participantes, mas com um olhar poético. “Ao usar uma outra lente para enxergar fatos corriqueiros conseguimos ver além do óbvio, isso é o que chamamos de memória poética.” A parte prática do encontro ficou por conta inicialmente da criação de uma legenda para a cena escolhida e posteriormente o desenvolvimento de uma pequena parte de uma história a partir do fragmento escolhido. Como inspiração para o grupo, a autora trouxe trechos de textos de memórias poéticas de autores como Carolina Maria de Jesus, Alberto da Costa e Silva, Zainne Lima da Silva, Ricardo Aleixo e da própria autora.   Neide Almeida é socióloga e especialista em Gestão Cultural e mestra em Linguística. Publicou o livro Nós: 20 poemas e uma Oferenda e tem publicado poemas e crônicas em revistas e antologias. Realiza cursos e eventos pela Fio.de.Contas Produções Culturais.  
Vozes da periferia

Vozes da periferia

O escritor Michel Yakini-Iman levou as vozes e a poesia da periferia de São Paulo para passear pelo interior do estado. Entre os dias 7 de 10 de novembro, o também produtor cultural realizou a oficina virtual “Literatura e oralidade nas periferias de São Paulo” para os públicos das bibliotecas de Limeira, Piracicaba, Santa Bárbara d’Oeste e Itatiba. O objetivo era fazer uma ponte entre a produção de quem escreve na capital com a produção de textos em circulação nas cidades menores. Durante os encontros, Michel apresentou poemas de sua autoria e textos em prosa e poesia de outros escritores. “Também fizemos alguns exercícios de poesia falada e de declamação de textos, exatamente como acontece nos saraus.” O escritor destacou que a evolução da produção literária da periferia de São Paulo vem acontecendo desde o início dos anos 2000 e tem constribuído na formação de novos leitores, no movimento da poesia falada e também no sistema de publicação de selos editoriais. “Esse movimento vem ampliando as vozes e diversificando a literatura brasileira, algo muito importante não apenas para São Paulo, mas para todo o país.” Entre as obras usadas na oficina estão Contos de Yõnu, de Raquel Almeida; Maria Pepe Pueblo/Maria do Povo, de Dinha; Muzimba, na humildade sem maldade, de Akins Kintê; Notas sobre a fome, de Helena Silvestre, entre outros. Michel Yakini-Iman é autor de Futebol não é coisa de menino, Na medula do verbo, Acorde um verso, Crônicas de um peladeiro e do romance Amanhã quero ser vento. Promove palestras e cursos de escrita criativa e é um dos idealizadores do Sarau Elo da Corrente.